CURA DOs
SENTIMENTOs
Para a Cura dos Sentimentos, é importante abrir espaço para que traumas individuais e coletivos, históricos e sistêmicos, possam ser curados, de maneira a parar de obstruir a conexão com a Mãe-Terra e o sentimento de pertencimento ao todo. Para o povo Pitaguary, os traumas que carregamos afetam não somente a nós mesmos, e a como vivemos, mas também a como nos relacionamos com outras pessoas.
Processos de limpeza interna, dos corpos coletivos e com a Terra, assim como práticas de liberação das tristezas, angústias, fraquezas, apegos e projeções, e a construção de resiliência e alegria coletivas são alguns dos caminhos traçados pela Teia para investigar essa cura.
As angústias e tristezas que carregamos, dizem os anciãos do povo Fulni-ô, são pesos grandes demais para um ser humano carregar sozinho.
O enraizamento na Terra é portanto um ponto de partida para a Cura dos Sentimentos. Desenvolver a capacidade de se entregar e ser curado pelos parentes não humanos como as árvores, os galhos, as folhas e o vento, e pelos afetos e relações estabelecidos com outros animais.
Esse enraizamento não é relativo apenas ao mundo não humano, mas também à própria linhagem, incluindo aqui os ancestrais a quem não conhecemos em corpo físico na Terra. Por diversas vezes durante esse trabalho, vó Joana Pitaguary foi chamada a essa conversa, a partir de seus saberes como parteira e raizeira. Seus cantos, rezas e uso de ervas para cura seguem sendo praticado pelo Pajé e pelos curandeiros e curandeiras do povo.
O povo Huni Kui enxerga essa ligação como um cordão umbilical mantendo os saberes e essências do povo vivos geração após geração. Todo esse cordão umbilical é ligado também ao grande coração da Terra, o verdadeiro coração da humanidade, e a perda dessas conexões leva a enfermidades.
Por termos esse coração, temos capacidade (esquecidas nas socializações e instituições dos brancos) de sentir a energia da Terra, da Samaúma, das medicinas, e essa sensibilidade faz o ser humano se mover, enxergar e aprender. O coração alinhado a esse coração da Terra permite a expressão dos sentimentos verdadeiros quanto ao que vemos, tocamos e ouvimos.
Essa forma de sentir e enxergar aponta o mundo não humano como essencialmente espiritual e sagrado, e impede que a natureza seja vista como recurso e capital. Para o Cacique Ninawá Huni Kui, é importante lutar contra essa outra enfermidade, que enxerga mundo e os seres do mundo apenas como materiais.
Quando os anciãos do povo Tremembé, chamados de troncos velhos, fazem sua passagem, costuma dizer-se que eles foram plantados na Terra. Os jovens, por sua vez, são considerados os brolhos da Terra, aqueles que podem semear o futuro. Para os Tremembé, a Cura dos Sentimentos necessita da reciprocidade nas relações com a Mãe-Terra, neste entrelaçamento com os entes queridos.
Assim, a cultura alimentar do povo é tanto um gesto de cuidado com a Mãe-Terra, como memória, afeto, cura e nutrição para a luta para proteger a Terra, tanto um gesto de resistência como de solidariedade.
O povo Pataxó frisa que nós não somos os sentimentos em si, mas estabelecemos relações com eles. Como entidades vivas, esses sentimentos podem ser para nós professores e combustível para nossas ações. Por ser um povo guerreiro, um dos ensinamentos dos Pataxós na relação com os sentimentos é aprender a ser um aliado do medo, e não permitir que ele seja algo paralisante, mas sim algo que nos ajude a pausar e redirecionar.
Para eles, o processo de se transformar em um guerreiro e ressignificar a relação com o medo é um chamado à maturidade e à sobriedade, chamado semelhante ao que precisa ser feito para a humanidade aprender a lidar com as diversas crises sociais e ambientais que batem à sua porta e são fruto de suas ações. Para os Pataxós, o dever de um guerreiro é lutar pelo bem viver de sua comunidade e ativar a linha de responsabilidade intergeracional e interespécies.
Alguns gestos em direção a Cura dos Sentimentos
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Processos de limpeza interna, dos corpos coletivos e com a Terra;
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Processos de limpeza para harmonização coletiva e para afetos e emoções individuais;
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Práticas de liberação de tristezas, angústias, fraquezas, apegos e projeções;
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Construção de espaços e práticas coletivas de resiliência e alegria profunda.