VENTRE DA
MÃE-TERRA
CURA DO
Nós Tremembé acreditamos
Em deus que é nosso Pai Tupã
Na Terra que é nossa mãe
Na mata que é nossa vida
Na lua e nas estrelas que são nossas energias
No sol que é nossa luz
No trovão e no relâmpago que são nossas previsões
Nas pedras e nos astros que são nossas armas
No fogo que é a nossa visão
E em toda atmosfera
Vivemos da força da Terra que nos dá energia para lutar e vencer nossas batalhas
Por isso somos povo da luta
Por isso somos povo Tremembé
Assim seja
(Oração do Povo Tremembé da Barra do Mundaú)
A Cura do Ventre da Mãe-Terra precisa ser entendida em primeira instância como uma cura relacional. Se de fato podemos pensar em uma Terra adoecida pela ação humana, é sobretudo nossa relação, especialmente o compromisso com a Terra e com a continuidade da vida, que precisam ser curados. Neste sentido, a rede de proteção à vida e à Terra precisam ser retecidas, desde a proteção das terras, do solo e das águas, até as garantias de soberania de água e alimentar para as populações que protegem a Mãe-Terra.
Essa proteção e repactuação com a Mãe-Terra possui também uma dimensão imaterial, trabalho realizado pela espiritualidade e a relação de reciprocidade estabelecida com esse grande metabolismo vivo do qual somos parte, em suas várias nomenclaturas e formas de tentar compreendê-lo (e apreendê-lo), com as ancestralidades e o grande cordão umbilical que conecta as várias gerações, como diz o povo Huni Kui, e com os encantados em suas diversas formas e manifestações.
Mateus Tremembé considera que a energia de cura vem sempre da Mãe-Terra, através das plantas sagradas, de suas raízes, folhas e caules, das medicinas tradicionais e dos seres de luz. A Mãe-Terra é quem dá a força e a energia para lutar, não apenas pelos que estão habitando a Terra agora, mas pelas gerações porvir também. A forma de se referir aos anciãos como os troncos velhos, e aos jovens como os brolhos da Terra, dá a dimensão da relação com a Terra para o povo Tremembé e nos aponta alguns caminhos de cura.
Como ele mesmo explica, "Na minha aldeia a gente tem uma lógica de que os troncos velhos, que são os nossos idosos, eles já são as árvores porque já deram frutos e nós jovens, somos os brolhos da Terra, porque no processo de colonização dizimaram nossas populações indígenas, principalmente aqui da Região Nordeste do país. Cortaram nossas raízes, cortaram nossas forças, cortaram nossos galhos, cortaram nossos caules mas esqueceram de arrancar a raiz (da Terra). Então eles esqueceram de tirar a essência que tinha na Mãe-Terra."
A iminência política da Cura do Ventre da Mãe-Terra leva Mateus a propor a necessidade de adubar a sociedade da mesma forma que o agricultor aduba as plantas, e chama atenção para a centralidade da espiritualidade indígena nesse processo. Aqui novamente ele reforça o canto como veículo de conexão com os ancestrais, os encantados e com a Mãe-Terra.
Para Ubiraci Pataxó, apesar de falarmos da Mãe-Terra como uma entidade ou algo que está fora, ela não pode ser compreendida nem tocada a partir de uma posição de distanciamento. Só podemos nos relacionar com a Mãe-Terra de dentro, como participantes das ações e processos, e nunca como observadores. Ao se observar uma árvore de perto, por exemplo, percebemos que a confiança da árvore não está em suas partes mais vistosas, nos galhos e folhas, que se quebram facilmente ao vento, mas sim em suas raízes, na parte agarrada ao solo, ao terreno no qual se pisa.
Para isso, porém, é preciso conhecer este solo, e recuperar a relação com o território e os diversos seres ali presentes. Sem essa relação, não é possível entregar-se da forma necessária para trabalhar em direção à Cura da Mãe-Terra.
Ubiraci ainda faz uma ressalva: para ele, a Mãe-Terra não está nem nunca esteve doente, mas sim sendo generosa e permitindo à humanidade corrigir o seu próprio rumo.
Também Yoran Fulni-ô ressalta as qualidades de generosidade e reciprocidade presentes nesta relação, e que o dar sem pedir retorno traz uma disposição para a humildade em todos nós, conforme o desejo do grande espírito ao criar a Terra.
Nadya Pitaguary também nos enxerga como as grandes árvores, que precisam da nutrição e firmeza fornecidas pelo solo. Por isso, os círculos femininos realizados pelas Pitaguary encaram a espiritualidade das mulheres a partir da relação com a mãe Tapuia, encantada que representa o útero do Terra, e que é reverenciada nas cerimônias dedicadas a nutri-lo e gerar fecundidade a todas as formas de vida.
O poder da ancestralidade feminina presente nas parteiras, rezadeiras e benzedeiras, para Rosa Pitaguary, é nutrido pelas suas relações com as plantas, encantados e ritos, como os banhos e cerimônias.
Para o Cacique Ninawá Huni Kui, o conhecimento sobre as medicinas da floresta é fundamental para qualquer possibilidade de cura. Os chás, banhos e defumações podem ajudar a nos manter saudáveis, uma vez que as enfermidades que enfrentamos não estão apenas ligadas ao corpo físico, mas também a pensamentos e um corpo espiritual doente.
Para quem está disposto a ouvir, e tiver humildade para receber os ensinamentos, as medicinas são professoras dispostas a auxiliar no processo de cura.
Os Huni Kui entendem, porém, que nas florestas existem também medicinas danosas, e que derrubadas e queimadas indevidas espalham essas medicinas, causando o adoecimento de pessoas, da Terra e das águas. Por isso, apesar das possibilidades de curas espirituais, do pensamento, do sentimento, das relações e das trocas, não haverá cura de verdade enquanto a destruição da Mãe-Terra não cessar.
No Acre, estado onde estão boa parte das terras nas quais vivem os Huni Kui, as estações do ano deixaram de existir, não se sabe mais quando os rios vão alagar, quando virá a seca, o frio, e assim o que se dá do que se planta diminui cada vez mais.
Os rios estão poluídos, os peixes rareando, e a insegurança não é apenas alimentar, mas também de água (em plena Amazônia).
Como parte da Mãe-Terra, o ser humano também sentirá essas transformações. Não somos diferentes das famílias das plantas, e o corte das árvores mães impacta também seus filhos. A ausência de raízes, de relação com os ancestrais e com nossos parentes não humanos têm cobrado, e irá cobrar, um preço alto.
Por isso, uma reeducação e re-sensibilização da humanidade é fundamental. Ninawá considera muito importante trabalhar nas comunidades e nas pessoas em geral essa compreensão da natureza como uma grande mãe, que produz vida e que é responsável pela nossa vida, e de onde tiramos nossa existência material e espiritual. Através dessa compreensão, da relação com a medicina e a espiritualidade as pessoas poderão ser curadas e fortalecidas.
Alguns gestos em direção a Cura do Ventre da Mãe-Terra
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Proteção à terra e aos territórios (incluindo a necessidade de demarcação);
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Segurança alimentar para todos os seres;
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Proteção e dignidade da água e do solo;
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Cura metabólica através da compostagem e das oferendas;
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Reafirmar compromisso com a Terra, os anciões, os encantados e a continuidade da vida